A epígrafe é importante, porra

Quem faz parte do Traça sabe que eu amo epígrafes. 

Para mim, são uma pista, uma chave para o livro, uma fresta que ilumina fragmentos importantes do texto, ou fala sobre intenção. Algo da ordem mensagem na garrafa encontrada à beira da praia, antes do mergulho. 

E, por isso mesmo, o marco zero na relação entre autora e leitora, que está prestes a se desenrolar. 

Uma provocação: decifra-me ou te de devoro. 

Fico triste quando o livro não tem epígrafe.

Qual o motivo dessa economia de palavras, de páginas, de drama?

Acho antipático, apressado, mal-amanhado. Sacode a gente no texto e pronto. Não.  

Qual a razão de escrever um livro pulando a epígrafe? kkkkk

Eu não sei se vou escrever ou publicar um livro, mas a epígrafe eu já achei, e faz tempo. 

Compartilhada esta idiossincrasia, da leitora que vos fala, listei abaixo algumas que coleciono <3

1. Mutações, Liv Ullman (adianto que estará no traça 2025)

“Nasci num pequeno hospital de Tóquio. Mamãe diz que se lembra de duas coisas:

Um ratinho correndo pelo chão, o que ela considerou como sinal de boa sorte.

Uma enfermeira curvando-se e murmurando, em tom de quem pede desculpas: “Infelizmente, é uma menina. A senhora prefere informar pessoalmente a seu marido?”

2. Bens Imobiliários, Deborah Levy

“Estou diante desta paisagem feminina

Como um ramo no fogo”

Paul Éluard, O êxtase

3. O corpo em que nasci, Guadalupe Nettel

“Yes, yes

that´s what

I wanted,

I always wanted,

I always wanted,

to return

to the body

where I was born”

Allen Ginsberg, Song

4. O ano do macaco, Patti Smith

“Uma loucura mortal vem ao mundo”,

Antonin Artaud

5. Asma, Adelaide Ivánova (outro que estará no traça 2025)

“Um homem foi lá e disse

Deita aí no chão para mim te foder

Eu disse não

Vou-me embora daqui

Aí eu saí de lá e vim andando”

Stella do Patrocínio, Epígrafe do Livro I, A tempestade

6. Uma mulher, Annie Ernaux

“É um erro achar que a contradição seja inconcebível, pois é justo na dor dos seres vivos que ela encontra sua verdadeira existência”

Hegel

7. Arquivo das crianças perdidas, Valeria Luiselli

“Um arquivo pressupõe um arquivista,

uma mão que compila e classifica”.

Arlette Farge

“Partir é morrer um pouco. 

Chegar é nunca chegar. 

Oração do migrante

Epígrafes da Parte I, Paisagem sonora familiar

8. Vidas rebeldes, belos experimentos, Saidiya Hartman

“Ela era, como sabia, de uma forma estranhamente indefinida, um fator perturbador”

Nella Larsen, Quicksand (Areia movediça)